Trepidação-Trepanação – ou a ausência de evolução (2003-2004)

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“Aos 18 anos a fúria de escrever era transbordante, ultrapassava qualquer soporífero, instalou-se na alma como uma alcunha, medicou-me a angústia com o imortal sabor de saber que não me iria sentir desta maneira para sempre.”

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Tudo que escrevi até hoje

foram asfixias infatigáveis d’agonia –

intenções inconscientes para um segundo eu ler

– anomalias abjectas a tornar realidade amanhã

com direito a promessa desconcertante

e cruel auto-desonra súbito de seguida.

Mas, com estes livros que aqui nascem

toda a voracidade à tangente será recusada

e, do útero do caos, emergirá recompensa…

Repudio o óbvio massificado e creio

na individualidade universal capaz de

nunca se cansar de viver lamentos e palpites

que inflamarão o brilho de cada falésia

– como cócegas num cadáver idêntico que,

ao mínimo contacto, acolherá o impalpável

sem receios do nosso interior absurdo.

Os facilitismos da fala são subestimados,

cegam a participação à imposição imediata

de cada confissão registada no auto dos olhos

poder assumir e sugerir achaques tão díspares nas

imperceptibilidades onde intenções são sentenciadas

e desviantes espessos grupos finalmente deformados.

Tanta sílaba já vi deambular no secretismo

da tentativa suposta relegada para outro erro;

porque fúria é fracasso que coalhará

se te agarrares ao vexame da própria sarna.

Desliga a mentira e abraça a integridade

– quando sentires a sugestão constante

irradiar-se em calafrios compreensivos –

arremessa-te como um aperitivo no

espeto da cobra dorsal desse licor ritual.

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O seminarista caloiro entreolha

as entidades inexistentes a cobalto

que dançam de pés ao contrário;

com laca e gel no cabelo grisalho

completam o círculo dourado dos fraques;

alimentam a ausência e apoderam-se,

bruscamente, do inverosímil.

Todos os albergues de culto

às respostas rezam para si mesmos;

para que os rios de sangue –

cujos ramos podres ajudaram a podar

– não passem dum rumor hipotético

e se evaporem balcânicas barragens

para as encherem de novo – sem chuva

– só com a liderança estimada dos

veteranos puritanos cujo letal quinhão

e desprogressivo apego à juventude

mantêm no magnífico trono da mansão

familiarizada com aparências imaculadas.

Foi graças a muito soslaio de alecrim

que tais botões aceitaram o sigilo dum

cargo que desbarata conclusões precipitadas

– decidem sempre poupar o sovaco real

onde hospitalizar suas grandiosas paradas.

O cheiro é semelhante a talho de peixe

sem piedade pelas tripas dos antepassados,

como personagens de jogo, nunca hesitam

– desviam a cara e empunham a navalha

que influenciará as barbatanas dos cardumes;

nunca interrogaram auxilio a alguém porque

vivem dentro duma bolha à prova de bala sem

repararem na sombra de Rá que se aproxima…

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Serás espasmo sem nada em comum?

Vais-me enganar com o primeiro beijo?

Teu batom segrega sina aflitiva

e, como sonâmbulo na penumbra,

desembocarei nele porque é fado.

Não protestarei a perfeição que vos abala.

Neste pôr-do-sol a dobrar revejo-nos

em todas as historietas que recontas –

deixo dissolver-se esta atribulada paisagem e

estendo-me ao comprido no lixo do Adamastor,

esperando a amável purificação que escolheu

aceitar acariciar o áspero que raramente adoça.

Têm veneno teus lábios

pois junto-me ao seu curriculum de ilusões

como autocolante coleccionado numa carcaça.

Não posso começar sem ser autêntico

só para abalar o caule desta espécie de flor,

– reformada sua floresta emaranhada –

posso seguir conselhos d’albatrozes da noite

e utilizar a comoção como roleta russa –

vezes e vezes sem conta que sorri sem querer

apercebo-me da conclusão simples que reflecti.

Será agora a revelação assombrada que receio?

Vais-me entediar com catarata de cãibras caducadas?

Por um lado emanas a perplexidade da pena

de seres mais experiente e nunca teres amadurecido.

Consigo ler tantas desilusões d’ingenuidade ou

serão já padrões desfocados a quem te rebaixas?

Inexprimes-te demasiado bem como se

fosse impossível insultar-te e desapareceres a correr;

espanta-me só a proximidade folclórica, tão inóspita,

entre minha escória refrigerada e uma traça da ginástica!

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Um melodrama matemático é o

irmão mais velho que nunca tive.

Juntos passamos semanas tentando

descortinar, no opaco cal das paredes

do quarto, alguma cor gémea refundida

em manchas de leite e dedadas de pulsos

que atormentam pelo que representam:

lúdico presente apagado defronte à

sobreposição de sistemas semióticos.

Descobrimentos criminosos à boleia

esticando o mindinho do pé expectante

pela sorte nas tantas matrículas que

passam a cuspir – atrevam-se a arriscar

levar com saliva na face –

partilhar com eremita que aplaude anónimos

suas arcas, experiências foragidas

por entre ralés de relâmpagos que

escolhem não conhecer outro amigo.

Junte-se a isso risinho contrafeito por

ver amanhecer e ainda não ter dormido

nem ofendido deslizes irrelevantes.

Apenas mantenho esperança que

cada Outono me frustre mais que o anterior

e que cada silêncio jamais me recuse;

permitindo-me rastejar instável pela

regalia subjectiva de migalhas disfarçadas

que habitam nosso coração que pernoita

– como cliente implorativo na cabeça.

Faz eco ao resto do corpo

querer acreditar não merecer tocar em

absolutamente nada; até é fácil

conter ataques de taquicardia, pânico vulgo

quando repouso na penúria de nenhum fardo

provocar-me a desanuviar o véu baço –

onde sou capaz de te enganar durante anos

com bafientas monotonias desperdiçadas –

sem sentir vazio o constante que vive em

todas as conversas extorquidas ao silêncio.

Que esse silêncio jamais se recuse

a ouvir o que tenho para lhe transmitir.

Cada boneco de neve a ferver tem critérios

quererá cumprir – ou desconstruirá na sua

escrivaninha impregnada de escombros

– que cobiçam por não serem esquecidos;

pisam-se tais obstáculos celulares ao

tornarem-se no que foste sem saberes.

Depois, será demasiado cedo para

voltar ao início que nunca pudeste ter.

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DesperdíCIO (2003)

360

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Um par de roxinóis sente carinho por mim;

devo abraçá-los até se sentirem agoniados

ou devo investigar sobre árias que veneram

para lhas oferecer sempre que os vir?

Vê-los-ei, mudando devagarinho tipo improviso

à medida que o texto passa altera-se o tempo

– não sou a árvore em cujo ramo habitam

nem a palha do ninho que juntam nas estações,

nem a cinza dos incêndios de seguros de tantos

carvalhos queimados no Verão – não sou

o exército que os devia apagar, nem São Pedro,

nem o refrão que nos interrompe ao ligar o rádio

– também nunca serei cálice ou pedaço de pão

muçulmano partido irmanamente entre apóstolos;

sou talvez seringa usada na margem dum prato

de sopa de feijão dalgum adicto ao Intendente.

Após vaguear entre vulgares restos luteranos

comuns à Natureza concluo que não sou ser vivo,

mas poderia ser o Santo Graal da Humanidade

– perfeito exemplo do quão escorregadio e débil

se pode atingir, sem nenhum objectivo, detentor

de tudo o que existe somente para lhe virar a face

– venham roubar este ego fraco que não existe

porque amamentado foi desde que nasceu;

nunca passou fome nem comia o oferecido;

nunca quis colónia de férias nem diversão de feira;

só novidade desvalorizada provoca a megalomania

de acreditar que nem tudo é conhecido; e persisto…

Poucos são os rouxinóis que suportam tal companhia;

não dizem nada está claro – sabem que vim d’Arca

que adultos resguardam mas nada mais – sinto-me

abstémio e dilacerante, fugaz à presença inexistente

– sabe bem furar-me assim – tossindo até intoxicar;

fingir nada suceder quando por dentro estou alegre;

querer risada contente por tudo quanto finjo existir.

Ora – quer silencioso ou espirituoso – esta voz

vive d’insegurança; ouve nozes estalarem como

opiniões imediatas cuspindo a gosma que rejeito

– não se trata de acosma hipersónica – são como

veios infectados de plantas a caminho da sorte.

Demora tantos anoiteceres até perder a cor –

não me mexer para buscar água castanha mirrada

ouvindo o ranger de tractores à porta de casa

esfolando a disposição da paciência gasta em ganhos

– esfaqueiam-se fetos de sete meses sem pestanejar;

é esse o azar apaixonado de ter esperança aqui

deixando-me enganar-te com tais truques anémicos –

não queiras conhecer esta espécie não identificada

– é mais simples sofrer que divertir-me; ostentar

interesse é futilidade que já esgotei de alcançar.

Contradigo com cio teus sentimentos por mim;

às vezes o vazio escapa-se mas é sem querer

– não quero solidariedade nem escárnio –

sou escroque sem coração para pulsar; só

queria que não me concedessem importância;

deixem-me estar a vosso lado comentando

a palhaçada, mais nada – o espírito é irreptível

mas o hábito assume qualquer identidade –

deixo de poder ser aquele Ele – tilintar ouvido

perdeu-se no espaço – quando aprendeu a falar

escutou alguém que o abraçava, foi-se com a brisa

deturpada pela civilização; sem alma que viaje ou

muito menos participe – faz tu que avalio sozinho

tais alvéolos misteriosos de lama e lascividade.

Deixo-me brilhar nessa rua como adjectivo galardoado

suspirando por elogios que são tão bons; sonhar colmeias

cheias de malícia, tormentoso mel, vai contagiar o

seu primeiro período menstrual registado nas termas

– velinhos sempre disseram que adoro o meu enxofre

com graça e suavidade únicas – tem tanto jeitinho;

mais uma carícia na lombada dos caracóis asquerosos

que minha mente forma e voilá; cada vez mais farto

de falsidade – deitem-me abaixo como a um escravo,

serei melhor assim – deixem-me falar aos gritos no

metropolitano, embrenhado em brincadeira repetitiva

– estou cansado de ouvir nãos como apitos de árbitros

por faltas inexistentes – eles bem sabem que é fita

tal como na escola infantil; cada professor tem

suas características que nós usurpámos – depois

ainda te atreves a constatar que sou bom a algo

que qualquer macaco de laboratório poderia imitar

– vou guardando tabuadas em casacos de couro,

cada veracidade d’emoção que atingi sem ajuda.

Exacto, culpo a energia eólica, os mísseis inteligentes,

as térmitas que acusam para si crimes que inventei

– fizeram com que este peito ficasse baralhado

sem saber contra quem haveria de libertar a escalada,

sua vingança inútil nunca concretizável – olha agora

apareceu; sou mesmo tu a levar com o aftershock;

testemunho no papel que apanhei umas palmadinhas

com materiais químicos voltados contra o aprendiz

– sofro com projectos de grupo que recusei – requer

prática viver demência e bebê-la toda num cocktail

extra-chourição, sem sentir ardor, dum só trespassar

lá se foram meus pais; tornaram-se heróis inactivos,

todo-o-medroso só frágil frente ao suícidio e ao vício

que não ouvem – a mim é que não surpreende –

somos camaradas que nunca receei só que

basta não pousar o copo no sítio demarcado

pela insanidade de bússolas passadas que

apetece logo matar-te duma vez só; peditório:

vou limpar-me, dar eternas piroetas até satélites

com um galho tremido que só resmungue para

provocar silêncio no casario em estado anormal

– dispensa e deita fora, o bébé que coma,

é tudo para ti, não existe separação para não

ficares sem a estabilidade aglomerada que rejeitarás,

– acho piada, a ninguém lembra dialogar

sobre o que mete arrepios; só sobre apanhados,

acontecimentos caricatos, tropeçarias, enganos,

infortúnios não demasiado trágicos, som basta

para entreter até serem horas d’irmos dormir

até amanhã ir trabalhar queixar-me do quanto

vejo e logo desprezo sem solução – mas mas –

viste como aquele palhaço olhou para mim?

Quem é que ele pensa que é afinal?

Lá por escrever umas quantas baboseiras libertárias

deve crer que vale alguma coisa neste paralelípipedo

– onde é que já se viram tantas coisas destas?

Familiar não? Desde que tenha ginja e chocolates

a atitude mudaria num repente; ninguém se recorda

do cubista mal-amado que, a cada golpe de vista,

pode assumir culpas já que ninguém se acusa

não me custa mesmo nada, nem precisas de pedir,

deixa-te estar, não importa – não tarda é madrugada,

qual incómodo, chama-se verborreia meu querido e

tudo simplesmente renascerá tranquilamente idêntico;

achas que te lembras de quando eras rapaz? Nenhum

entendimento é importante como um encestar vitorioso

– com foguetes e trocadilhos num forno comunitário –

dá-me essa sangria, assério toca a assar essa linguiça!

Nada precisa de pensar em parár, aqui há obrigações!

Dá azia olhar-me de raspão numa das lantejoulas

da bailarina exótica contratada – até gostava

de me conhecer, devo ser interessante, sou de cor

curiosa, pareço sempre estar a pensar em qualquer

assunto bem dentro do vulgar e esqueço o começo.

Assim divago almejando fórmulas quebradiças –

da indiferença não resultará nenhuma poção futura

portanto não ligues ao que anseio fervorosamente

– pelo dia em que me calarei definitivamente –

verei os rouxinóis a corarem de alívio e satisfação

só por me verem a seu lado, como bem entender…

Donde virá a necessidade pura de me repetir

perante nulidades d’absorção, nada planeei e

aqui estou exposto, passando a limpo o ano passado,

talvez telha que inquiri quando passou o tédio infantil

de cair pelos móveis abaixo em saltos mortais,

cansado de tudo tanto que nem reparo e repito,

abrigos debaixo da mesa com o vizinho amigo,

no quintal de gesso da sorte única, centopeias e

bichos-de-conta pude conhecer, esborrachados

limei as proposições que foram a mais, pois

devo é achar-me o máior mouro desta cavalariça,

puxando d’arco e flecha para encontrar

alguéns que possa assimilar hoje, re-editar

umas quantas mixórdias divertidas onde

nem sequer estive, foi na metrópole que

nós acontecemos, fugir do taxista sem ter

coragem de dialogar outra inacção, ai qué

qualquer coisa tão especturosa não conseguir

cessar o entusiasmo aqui fechado do escritor,

bem, guardarei trunfos quadriculados para quando

estivermos todos a pensar em aborrecimento,

acredito mesmo que vos leio à vista curta,

primeira frase ou tremelique já rotulei,

será mesmo, ironia malandra tortura maldosa,

posso mentir à vontade e rir sem interrogar;

o que é que achaste? Gostaste?

Vou calar-me como ouvinte erudito,

não há som nem ilustrações e pagaram

à Mesopotânia para que ela nos tocasse,

alterasse, conquistasse, i d e n t i f i c a s s e,

quando já fizeram pior com mal menos traças,

portanto pronto, cá vou eu para o que vim:

estou com muito sono, ouço-os cantar mas

já de noite piavam porque as luzes atrofiam

seu ecossistema natural, viver de dia é a lei,

inteligência perde-se em abusos inconscientes,

estou aqui quase obrigado por meu eu, não sei

qual será a razão, tenho filmes noite inteira e

preciso de descalçar este rascunho para matar

insónia nas cábulas, socorro, será imaginação

tal satélite imediato, qual bandeira refugarei

na panela de pressão escaldante consoante a

bagatela das impressões que me agarram até ti,

imortalizo-a antes que todo o papel seja comido

por marasmos constrangidos da nova realidade

perene aos sussuros d’azar vinte e quatro horas,

é política o suspiro da vítima sem leimotif e

será variedade fruto de soluções idênticas, vem

mera simplicidade defrontar o tic-tac estabelecido;

posso manipular este espaço desbravado e

injusto, tenho pais, tenho tudo, nada expresso,

não preciso, porquê então, soa mais profundo lido,

Pessoa já entendeu isto, que faço eu agora,

desenvolvo cada futilidade mergulhada mesmo

que nem sequer mexa em imagens alienadas,

posso mostrar Sícilia e suas vinhas com bichos,

dar exemplos para afastar tentação, abafar tantos

artigos conjuntivos insalubres, colhões de galo,

cor roxa da passerelle faz sempre falta, a quem faço

eu falta, sempre aqui isolado preciso de transmorfar

e irritar-me com rainhas de Inglaterra mal penteadas,

dando azo a não querer morrer distraío-me lendo

biografias sem-nada-a-perder, livres impossíveis ainda,

pouco exercício faço mas estou pronto para tudo

caminhando urbano olho, participando com palmas

na inércia activa da pseudo-intelectualidade cultural,

consumo-me desperdiçando tempo quando a resposta

tonta ficou receosa na traqueia dum esófago a cheirar

a humus-sarcofagus, engolindo traumatismos que

muitos mineiros e pescadores cuspiriam com fervor;

não tenho presença de espírito para ofender-me

com alguém porque nunca me considerei ninguém,

devia educar-nos com projectos perigosos, cravar

e implorar por migalhas de maçãs, perdendo

justamente a calma que nunca tive, sou rodeado

de escarra ensanguentada, pulmão fino acelerado

desaparece de vez para te chorar já, mal me mexo,

sinto-te gordo e pachurrento, teletransportado por

ante o vazio da lentidão pensativa das esplanadas de

caras onde aguardamos pela expulsão, não faço parte

da classe que poderia e ando desanuviado de desespero

por nunca ser o escolhido, se me tivesse imortalizado

em energia poderia implementar tais boas intenções,

diz-se que ilumino a matéria caso queira, se acordar

e escolher o destino corropio a concretizar cozido,

muita concha pontiaguda poderia entreabrir

graças a vôos vociferantes de verborreia feliz, deslizo

no riso desbarata-caro d’inocência merecida, à vista

brincalhona, sei lá o que é que é transmitido,

só vejo máscaras carrancudas a julgar minhas

patetices sóbrias e imaturas, brinco e violo

australianas entretanto, serigrafia de vultos surreais,
tanta coisa, carta ao reitor, núcleo de rádio,

nada de responsabilidade nem horários galácticos,

vislumbro sempre verdades universais e atinjo-me

expondo desconfiado quanto somos similares

dentro de tamanhas disfuncionais guerrilhas,

uns emocionados, outros compenetrados à raíz,

ainda aqueles plainadores e derrotados anavalhados;

sei aproveitar tudo, é sempre positivo meu negativismo,

pés decepados, órbitas mastigadas, raciocínio mal

orquestrado num pranto sarcástico, olho o interlocutor

e apercebo-me que não estou em casa afinal,

bebemos gin de pêra na praia gelada e chapinho

no regorgitado colorido, negligenciei meu estomâgo

para mostrar à beleza loira que também sou divertido,

confessa ejaculações prolongadas do seu namorado

de corte de cabelo estipulado, de certeza que morrerá

assustado com o facto de ir terminar agora, não engasgo,

comento ocasional indirectas o suficiente esquivas

para parecer sempre um gajo muita porreiro mas,

os nervos da preguiça pretendem apodrecer em

versos e corroer eterno, da rótula ao antebraço, estes

olhos tão tão chorosos de vida esvívida que evito,

nadou nua entre os caralhos de corvinas e espadartes,

agarrada às baleias-líder que dirigem as suposições

mais filosóficas da mãe domesticada, fica engraçado

espalhado pelo diário pessoal de cada raia rabiscos

de nossas adolescências apressadas, não precisas

de crescer até à discoteca tão cedo, vais-te fartar

das prostitutas com vícios-estratagema pela corrente

inevitável do convívio completo já sem efeito algum,

agora, processa cérebro arrebate triunfal para embasbacar

a mensagem sem fé inimiga d’obstáculos autocráticos,

que assim se arrasta desde que me lambo e relembro…

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Foto-Síntese (2000-2003)

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TRÊS

Por entre a sujidade dos livros impunes

choro a religião que nunca escreverei.

À beira rio,

bem no seio das rochas do ócio

olho o sol e não traz nada de novo.

Vejo os ténis da cinderela a flutuar

(uma tentativa fútil da sua inocência),

tenta esconder por uma muralha de raiva

o facto de necessitar destes tambores

que vou magoando inexperientemente.

Não posso deixar a maré levá-los,

tudo aquilo de que dependo baseia-se

na frieza do seu perdão que parece não chegar.

Que eles soem eternamente…

De volta aos cortinados avermelhados

antigamente lembro seu choro inicial e,

é em tal felicidade sem consequências,

que recordo onde errei.

De que forma brutalmente obsessiva

como sádico soluço que sufoca e alimenta,

assim te encadernei no negrito do meu ser,

aquele habitante longínquo que se ri

dos tumores do nariz e dentes quebradiços,

foi a ele que foste apresentada

com tal simbiose que não achava possível.

APOCALIPSE

Soa tudo a vermelho novamente.

Apodrecem cascas no asfalto da cidade.

Depois de envernizado o chão escureceu.

Agora assemelha-se a

gota tresmalhada de tangerina estragada

pingando sobre o manuscrito reformado

daquela perfeição encontrada.

Pesadelo-surpresa em óleo fresco de

colunas desafinadas a desafiar estática

sem conseguir evitar de cometer

sempre os mesmos erros, cegos erros.

Nomes números fora de tom

mancham o passado com a ética

das ervas silvestres do adeus,

secas e ultrapassadas,

odeiam todas as especiarias, todos os sabores

dos teus olhos já não serem meus.

Assim quis

regozijar na dúvida do leito,

é prazer vazio

no teu mundo de brincadeira

procuras já alguém,

no meu peito é deserto enublado

preso à abdicação, à tua maneira,

à vivência entre bichos de metal maciço

num insustentável cansaço emoldurado.

Para mim

pessimismo e desistência são esculturas de marfim falso,

são doce masoquismo

são obsceno jogo de ténis onde ninguém perde

são infiéis ecos de prioridades gastas

que esfaqueiam a evolução

na mudança de rótulo ao código de barras,

sem serenidade para meu coração.

Fujo na competitiva adrenalina em

carnificinas circulares e enfeites de Natal

prevendo silhuetas e rotundas a chorar,

sozinhas, até é usual

a preguiça de apagar a dádiva desta chama e

encontrar alívio fora do hábito elíptico, na dor.

Criar um degradée de desgosto.

Ser o cinzeiro amarelo à tua cabeceira.

Esquecer a voz interior que declama o adeus ao amor.

CONTOS DE FADAS

Adeus varejeira em flor

Foste debandada, temporal cá dentro

Levei-te às costas do mundo tempo demais,

Só concedias o cantil quando implorava

Abdiquei em vão, o dia chegou.

Espezinhei cada bocadinho de orgulho

Porque pediste, sofrias de insegurança,

Depois criticaste o azo que dei a teus defeitos?

Eram fora de controlo, contrariado, a fraqueza terminou,

Deste-me a loucura pela qual suspiro e

Vejo agora o esforço que foi mas

Não mereces teu perfeito reflexo

Nem um ego tão fácil de engolir, cuspir e digerir

Por ti, ainda esperançoso

Recuou mas o cansaço chegou.

Aos poucos fui ensinado a gritar, a irritação

Mentiu na dúvida como se nada estivesse diferente,

Excitado por ocultar a inócua desordem

Iminente, nosso interior comum de cedências.

Morreu a causa, a reacção pseudo-conceptual, chorou

O apêndice de ter que te ver secar todos os dias,

Sádica e pequenina com o tabuleiro dos analgésicos a

Dominar as rodelas de limão servidas com a mestria da esperança,

Sem saber lidar com meros elogios, para quê insultos,

A bênção suou de prazer, e exausta, sozinha ficou.

Falavas de tudo como se soubesses de física quântica,

Do epicurismo como paralisia facial fácil de curar,

Não adianta partilhar mais hipnoses de escárnio

O bote não voltará à gruta mais escura que encontrou,

Não adianta revelar o mistério-facto das pressuposições

Delira mais a falsa morbidez do melhor bocadinho de carne,

Conspirarei com as paredes pela confiança que nunca terei.

Fica com o extraordinário, o sangue acastanhado

Montou na nuvem consciente de que errou.

Romântico seria desaparecermos…

Volte a dor e venham os ressentimentos,

As lembranças indestrutíveis

A manterem-me vivo.

2002

O CHAMAMENTO

Sinto a espingarda apontada à minha nuca

invoco-a…

Sei onde está e quando vai disparar

primo o gatilho na imaginação

vezes e vezes sem conta

olha-me,

ocasionalmente abraçamo-nos mas

nunca fazemos amor,

seria pecado.

Idealizo um atirador furtivo simpático

gosto dele, é especial,

não tem complexos porque somos amigos

partilhamos deuses pequenininhos

que não se rebaixam ao hábito,

convido-o para se vir, divertir,

vamos tomar um copo e

viver a vida óbvia,

ejacular nos mesmos lábios e

chafurdar na depressão que nos faz continuar

a odiar-te,

não nos mexemos porque é confortável e quentinha

sabe bem

deixá-la comer-nos por completo, com graciosidade

ficamos a ver a decadência a deteriorar

em prazer engordurado

senti-la penetrar-nos debaixo da cama,

nas paredes,

nas ruas,

em toda a patetice que anda por aí

estamos juntos nisto.

Mas, quando o gelo se derrete cedo demais

já se sabe que

a bebida fica contagiada por memórias

que se aproximam pelo ar,

com gargalhadas estridentes de

laser infravermelho desenhando sorrisos na testa,

fico a vê-lo hesitar cá dentro e

será que me importo?

Sinto engolir em seco como espectador atento

todas as manhãs de todos os beijos

já não fazem sentido, venha o que vier

dormente e arrastado ficarei

desviando balas sem destino,

dando concertos na cabeça sem público nem talento

num fundo tão negro

vamos todos deixar andar

enrodilhados em relações tão vagas e

com tantos neurónios para queimar.

A CAMINHADA

Que são as palavras sem a dor?

A limitada emoção de ver teu novo cognome no ecrã

não se compara

ao ritmo bulímico da aceitação

deste corpo,

frágil e refeito em momentos

resistente mas cicatrizado de simbolismos,

tão perdido a tentar libertar um desejo

que possa ser seu, um objectivo

assumido.

Foram olhares que não conseguiu retribuir,

os únicos

que poderiam deslizar pela lama das formas

enregeladas mas moldáveis,

prevalecendo uno com som puro e afinado

como pardais ao amanhecer,

jovens de braços soltos

do ninho para as crostas até ao desalento.

Somos meras amoras

de tristeza banal fraca demais

para se suster sozinha

na mentira que é a nossa vida.

Sim minha senhora

quero e uso a educação para criar contraste,

num fugaz relato de veias com sangue

sem perseverança para colar as asas e voltar a contestar

a ferida, nas canadianas de angústia

é este o destino

e todos fingem amar e não sabê-lo.

As flores apontam o dedo ao fumo das secreções

pois sabe bem ser falso optimista e

rotular a morte que todos alimentamos.

É vício, ilusão inebriante atropelada de

glamour amolgado nas lajes do tempo,

todos te conhecem e se perdem em ti

ou ficam ociosas crianças no hábito de

corda ao pescoço e telecomando à mão,

afogados nos lençóis escorregadios da espera

de ver, um dia, a face idílica da epidemia

sussurrando o bilhete da passagem proscrita.

Sei da condição, sinto-a a provocar-me

para a partir em pedacitos miseráveis quando assim fôr

a última forma de expressão

possível.

A INTENSIDADE

Foste

confusa façanha de altos e baixos,

alimento que baste

para multidões em fúria

embasbacadas pela ligeireza de teu

silêncio que tudo diz.

Conseguias ser débil guincho de tortura

em dias negros da revelação que conheces bem,

inúteis como chuviscos envergonhados do Verão que

ficaram atónitos e se evaporaram antes de sentir o chão.

Em comunhão consigo e em

pura admiração por algum sobressalto,

raro na timidez de saber tudo

mas demasiado comum

nos minutos que passam

cambaleantes pela beira-riacho

da nostalgia.

Pensando em ti

são trôpegas as hipóteses de tão abominável saudade,

é o que resta de mim

entre nuvens dormentes e atordoadas

dum pasmado passado que

analiso com a clarividência e bem aventurança

de estares feliz.

Vejo então

formas aflitas sem rumo nem destino,

só microscópico sonho por quem deves ser hoje.

Não violes os momentos que hoje odeias

por ter sido comigo,

por favor

esquece-os só…

Serás sempre

rascunho inacabado e conflituoso,

especial como só a Natureza poderia criar

uma com as árvores, a água e todos

os elementos mais puros duma simplicidade

escondida algures como diamante por lapidar

num suspiro único, contínuo

que prevalecerá comigo

implacável,

agitado,

insubstituível.

2003

S&M – Sem-Nome & Mal-Dito (1999-2003)

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LEPRA HUMANA

Quem diria

que a beleza

se torna em medo,

o medo se torna em vida

e a vida no nada do costume…

Portanto

o tempo perdido

entre um e outro

é confuso e deprimente,

no mínimo

(parece tanto

é no entanto tão pouco e

temos que aproveitá-lo todo

antes que o tanto acabe todo)

porque ele é tão pouco,

o que é no mínimo

confuso e deprimente,

o tempo perdido

entre outro e um…

2001

360º

As gomas perduram

secas e enjoativas,

voltar à infância é tão bom

é como se tudo fosse um dom.

Os pequeninos não sofrem

não sabem o que são impostos

não há nada que não mostrem

(angústia e desilusão,

as aftas do raciocínio).

Essa inocência não é tédio,

ignora todo o tipo de hélio.

Simples conversas

sobre esta dádiva de não pensar

e tudo voltou à superfície

será que ainda te quero amar?

Quero ser uma criancinha,

pensa como eu por um pouco

quero que saias da minha frente

vou sofrer outra vez, serei assim tão oco?

Sinto a minha vida mais que gasta, vazia,

deveras silenciosa, odeio-a, é tão fria!

Como se já cá tivesse estado alguém com a mesma fobia

para me ter incutido esta mentalidade odiosa,

cada vez mais rugosa, gulosa, estupidamente gananciosa!

Contigo não sinto nada de revolta

nunca pensei que poderia ser assim,

o meu eu está em alta

quero ver-te amanhã outra vez, diz que sim…

Por ti faço o que nunca farei por ninguém

és melhor que um deus, és real,

um suculento privilégio com sardas,

um antídoto contra toda esta insanidade disfuncional,

quero ficar contigo agora e para sempre, mesmo que ardas,

tanto lixo, só quero alguém que me queira também.

A IMORTALIDADE

Que as flores te desabrochem na vida,

que o céu te seja limpo

com uma ou outra estrela tresmalhada.

Que as paredes não amuem

nem rejeitem a tua liberdade,

não te peguem a humidade que as descolora.

Que para sempre sintas que és especial

pelo menos para este alguém que nunca te terá!

Deixa entrar em ti a cicatriz da emoção

que arda e floresça na tua inconsciência…

Não bebas do rio onde a culpa enferruja,

com todo o meu sempre presente carinho

te digo, sem apatia, ouve-me…

Suprime, sem sedativos, o remorso da tua face,

afasta de ti a minha nefasta saudade!

À medida que o tempo passa

todo o passado que damos por certo

desvanece-se sob o oásis da ilusão

não passando tudo de um sonho,

porque será que prevaleces?

Que brilhes submersa numa aura de paz e felicidade

buscando a eterna perfeição da impossibilidade,

naquela terra, não volátil, para além do destino

onde os pássaros se preocupam com o vizinho.

Que as tuas torradas nunca fiquem frias nem queimadas

só um pouco levemente desfocadas,

embalsamadas nas tenras memórias de contentamento

dos prazeres simples e nos anos estelares.

Até adormeceres

que as telhas não se deixem corroer

nem a resina se acumule nas tuas sardas,

que a madeira dos carvalhos continue

suave, fresca, bela e sem dinheiro.

Tenho as tuas lágrimas inexistentes

emolduradas no meu coração,

dou-te esta euforia calada

que sempre quis saltar do meu peito!

Obrigado pela amizade, pela pena,

por um abraço querido se fosse preciso,

pelo teu correcto bom gosto num mundo doente.

Obrigado pela ilusão de que te poderia merecer,

pela idealização de que fui parte de algo maior,

até pela minha ridícula dor e agonia

mesmo isso foi um privilégio azulado.

Obrigado por me fazeres escrever estas palavras,

pelo doce tormento em que me aconchegaste,

por me dares de beber da pureza selectiva

do teu santificado olhar sem intenção.

Vive a dádiva e espera por mim no teu infinito,

pensa em mim antes de dormires

ou quando beberes vinho tinto…

Acredita sempre!

cavalo selvagem galopando nos raios da aurora lunar, nada fica por dizer…”

UTOPIA DE PUNHO ERGUIDO

Não suporto mais este aperto

que lentamente vai tomando conta,

vai degolando tudo o que me é mais querido.

Qual astronauta petrificado em óleo de rosas,

qual sereia errante idealizada em vaselina.

O meu poder devaneia-se, a minha graça perde-se,

as ilusões precedem-se,

a morte vai ansiando,

os abutres rezando

e tu chorando sob injustas convulsões,

sozinha…

Pescando e sussurrando, impérios caem e

lágrimas constrangedoras lá vão suspirando,

em doce, sereno vazio…

Rituais negros, regozijo da vitória, ética para tolos,

serei eu, sempre!

O meu sofrimento é o meu legado,

as minhas obras a prova e o testamento

de que cá estive, critiquei, gostei e voltarei sempre…

Isto antes que o espelho se comece a enganar,

os músculos a contradizer,

a imagem a desaparecer

e a mente a cuspir o seu eterno sangue de revolta

de quem nunca está completo, mas sempre grato!

Desprezo influências, apesar de inevitáveis,

odeio maiorias porque nunca estão correctas.

Vou comer maçãs podres,

tragar feijoada à Alentejana antes do banho,

secar com o secador o cabelo na banheira

e masturbar-me em público;

nem que seja apenas para irritar, desafiar,

quebrar estereótipos, matar os preconceitos.

Loucos? Porque não? Todos os génios o são!

Milhões de joelhos vão lambendo as migalhas do intragável,

eu, rastejando, vou buscando musas incontestáveis.

Mostra-te, não tenhas medo, o mundo é mesmo assim,

tens que criar algo para teres medo de o perder…

2002

LILIPUT À DERIVA

Que estranho e melancólico

este frágil limbo da existência,

conta-nos a história

da paciência infinita,

das gaivotas que

voam sempre para norte

sem questionarem porquê?

Ouvindo os tambores da alma

não conseguem esperar

e deixam-se levar

por esse instinto desolador,

ignoram qualquer fraca fragrância

que possa explicar a razão

de caminharmos todos

pelos tijolos esverdeados

do tempo sem igual.

São perenes discrepâncias

entre júbilo e angústia,

é só mais um pôr-do-sol

a banda sonora é que varia

mais seus subtis efeitos especiais;

assim, em vinte minutos,

o pó continua a acumular-se nas

frinchas dos álbuns de fotografia antigos,

a humidade hegemónica conquista

lentamente as mesmas formas de sempre e

as perguntas prevalecem causticas

incidindo na minha mente como qualquer outra

suave surreal reposição dum sonho.

(inúmeros viciantes romances

onde já deleitaste as frustrações

sobre mortes iguais à tua mas

nenhuma solução encontraste).

Olho a caneta com que escrevo e

quase que choro ao apreender

toda a pequenez que me rodeia,

já devia saber que neste melancólico grão de arroz

em que diariamente nos afundamos,

nos contorcemos e submetemos,

não passa dum irónico jogo de xadrez

onde as peças estão condicionadas à partida

vagabundeando sem nexo,

nem arbítrio descondicionado,

tal como nós.

SÍNDROMA PRÉ-ESQUECIMENTO

Rabugento

este interminável mar de memórias

que são os equívocos passados,

tento não perdê-los…

(muito me dilacera

a pequena ideia do

esvair-se do tempo)

Nestes fugazes sonhos alados,

sublimes,

sempre sublimes,

desaparece o momento,

a plenitude divina em

que deixámos de acreditar

como se não tivesse acontecido,

esquecemos…

É o meu eu metamorfoseado,

órfão de deus,

bastardo das influências,

filho da decadência

que diz respeito a todos os homens.

Tal é a náusea da alma,

tanta é a cultura proscrita

que me ultrapassa sempre

(boquiaberto),

permaneço abismado e inútil…

Todo o oculto sentido

destas sôfregas experiências

devo relatá-lo e

guardá-lo taciturno

no meu precioso livrinho

das perguntas a responder,

preciso…

Alimenta-me de ódio

(tão triste)

este deprimente desperdício

duma barbárie inconstante

(civilizada?)

que não cessa de se proclamar

(de se lamentar vezes sem conta)

em atestados de estupidez,

em rótulos espirituais,

em mensagens subliminares básicas;

é o inevitável que me enoja,

é o que vejo…

Este queixume

peculiar e reconfortante

das sensações que desejo relembrar,

todas…

É o mundo,

(louvo-o mas inquieta-me)

graças a ele

expia-se a glória da individualidade,

mas ao menos sei

que a minha bexiga mija,

que o meu coração chora,

(o amor e a morte

porque suspira,

saltando ao eixo na vida) e

que o meu cérebro se vai queimando

(sem limites,

só complexos e ressentimentos)

bem devagarinho

em pensamentos pseudo-filosóficos

(desespero e desordem)

sobre o natural,

o egocentrismo,

este habitat de gozo

e o nada…

Assim esqueço

a frustração de desconhecer.

A Idade do Espantalho (1997 – 2001)

À Venda Aqui:

http://www.bubok.pt/livros/3712/Na-Idade-do-Espantalho

2 espantalho

DÉJÀ VU

Foda-se!

Outra vez não…

NACO NA PEDRA

Névoa estrelada,

Democracia querida,

A vida é nada mais que sorte,

São tudo pequenas ocasiões,

Investe!

Jantar com velas ignorantes,

Nada de sublime,

Tudo comum e em saldo.

Atracção pressuposta,

Olhares meus desvairados,

Dela trespassados!

O enredo toma volume…

Qual a distância entre uma lágrima e um sorriso?

Qual a distância até à perfeição?

Até ao destino, até à verdade inexistente?

Timidez, fraqueza, perdão…

Nébula intrigante

De amor e perdição,

Apenas eterno amante

Para terno coração?

Deusa submergida,

Modesta princesa,

Pólos que atraem,

Estrangulo de indecisão

À lareira deste frio sentimento.

Quero vandâlos a queimar, a brotar

Corações em erupção,

Uma confiança faiscante.

Mais que uma aura de porcelana,

Uma alma de petúnia,

Legado purificador

Como neve plastificada!

Desejo o véu,

Porque não eu o réu?!

Vou fazer uma tatuagem…

SUÍCIDIO AMOROSO

Enquanto ele pensava

Em toda a beleza da vida

Que o fazia implodir diariamente,

Que não poderia compreender

Nem muito menos alcançar

Sem a ter a ela,

Ao seu perfume,

Ao seu cabelo azul marinho

De tanta beleza aliterada

Em cativeiro de testosterona

Cada vez mais incompreendido.

Um amor sádico

Com chicotes e ferros em brasa,

Do mesmo sadismo de quem

Sufoca um recém-nascido num micro-ondas

Ou de quem mata um hamster ao pontapé.

Mas também

Do deus limitado que o mantém longe dela…

O suplício dos beneficiado,

Modestos sobre-dotados,

É a dor do legado da inteligência,

A frustração de pensar demais…

O sadismo de ver os iguais,

Em carnificinas,

Batalhando

Por seres imaginários,

(o meu é melhor que o teu),

Por papel às cores,

Por minutos fúteis de prazer,

Por diferenças minúsculas

Que só mentalidades distorcidas e disfuncionais

É que reparam…

O sadismo de quem não compreende

O seu dom,

O despreza e destroí!

Nisto pensava ele enquanto

Se ouvia um ruído auto-criminoso

Jorrando o sangue pela carpete tailandesa…

Enquanto ela

Do cimo dum prédio

Observava os carros que se movimentavam

Com a sua pressa desnecessária,

Já típica desta sociedade faraótica,

Estética, consumismo,

De quem tem preocupações

Pouco preocupantes!

Como a vida é bela no topo de um prédio

E como se vai tornando cada vez mais bela

À medida que nos vamos aproximando dela,

Do seu fim…

Eles tinham muito em comum!

Até o fim…

CULPA SEM CARA

As paredes brancas aproximam-se,

Encurralam-me…

Estreitando-se como num manicómio

O tecto vai fugazmente desabando

Sobre a minha nova defesa,

As velas escasseiam e

O meu antigo pavio alado hesita

Entre qual a circuncisão a efectuar.

(será sempre tão díficil adormecer quando se tem dezasseis anos?)

A minha degenerada e porca imaginação

É tão fértil…

Contorço-me,

Rebolo neste estranho e ténue projéctil.

Como adormecer

Num mundo que toma a apatia

Como forma de virtude?

Que se enforca

No bom nome do seguro de saúde!

Que conscientemente se condiciona

Em fossilização doméstica,

Prevendo o dia em que

O sexo se torne uma seca…

Para sonhar tenho que dormir,

Para dormir tenho que escrever,

Para escrever tenho que:

Acender a luz

Olhar com extrema dificuldade em redor

Reparar nos pesarosos rostos

A preto e branco

Dos meus antepassados e

Encontrar algo que se assemelhe a uma caneta;

Mas para escrever tenho que pensar e,

Para tal, acabarei por chorar!

Nem mais uma fétida gota

Por quem não merece,

Por quem se submete,

Por quem dorme, come, mente e fode!

Quão excessivo soporífero

Às 5.47

Acordado e sóbrio,

Pior é impossivel!

2001

À Venda Aqui:

http://www.bubok.pt/livros/3712/Na-Idade-do-Espantalho

 

"A poesia é feita contra todos, e por um só; de cada vez, um e só. A glória seria ajudar a morte dos outros, e não por piedade. A grandeza afere-se pelas conveniências do mal. O que se diz da beleza é uma armadilha. Pena que não pratiquem o pavor, todos. Seria o lucro do nosso emprego, e um pequeno contentamento para quem está com alguma pressa em agravar. E leia-se como se quiser, pois ficará sempre errado (…)" Herberto Helder